Nesta região do Kerala existe uma formação geográfica chamada “Backwaters” que é a entrada do mar através de uma série de canais onde se mistura água doce e salgada. Não é um mangue, não tem aparência de um mangue. Esses canais, que um dia tinham contornos sinuosos naturais, acabam tendo muitas vezes margens retas, claramente conduzidos pela mão humana, como se fossem vielas, ruas, avenidas. É um lugar belíssimo, com muitas aves: pássaros, patos. Muitas plantações de coco nas margens desses canais. Compramos um passeio bem barato, de mil rúpias (uns 60 reais) o dia todo, incluindo transporte desde hotel, passeio e almoço. E lá fomos nós, sem esperar muito de tamanha pechincha turística! Um senhor muito muito magrinho, sem dentes mas absolutamente vivaz e de uma simpatia cativante foi nosso guia, mostrando detalhes da fauna e flora. Tinha muita coisa bonita misturada com muita coisa feia, a começar pelo barco. A beleza e harmonia externa é algo que aprecio muito. Se posso escolher, gosto de estar num lugar onde olho ao redor e tudo é limpo e bonito. Mas isto não acontece aqui na Índia. Nunca. Se vamos tirar uma foto precisamos fazer ajustes para não enquadrar partes feias e mal cuidadas em fotos lindas e exóticas.
Nosso guia nos levava com simpatia através de um quintal todo cheio de quinquilharias para
mostrar como sua vizinha tecia cordas com a fibra do coco. Depois nos levou para comer num galpão claramente construído às pressas sem capricho para atender à demanda dos turistas. Iam servir a refeição mais típica do Sul da Índia, na folha de bananeira. Tudo tosco e improvisado. E eu pensando: puxa, com tão pouco a mais isto aqui seria fantástico, lindo, impressionante. Fiquei observando os turistas franceses, australianos e canadenses para ver se ficavam constrangidos com o ambiente mal preparado. Olhavam desconfiados para a comida mas ao mesmo tempo com simpatia para aqueles seres humanos tão diferentes e gentis. Uma família canadense com filhos entre 10 e 12 anos tratava os indianos com especial respeito e cordialidade, inclusive as crianças que interagiam admiradas. Fiquei imaginando o ambiente organizado e limpo do qual vinham e a riqueza do contato deles com esse caos.
Aí veio a perguntinha que não quer calar...
O que me separava? Minha necessidade de ordem e beleza absoluta, sem lacunas, de preferência em TODO O UNIVERSO
O que me unia? Incrível perceber essa contradição descarada mas o caos me gerava tal sensação de falta de controle que ao desistir de arrumar, me sentia relaxadamente unida a qualquer nova situação. Sem ser gerente do mundo, posso me unir a esses indianos fora da caixa, sem ter que explicar, nada. Esquisito né? Mas possível. Vejam que lugar incrível! Lembrando que nas beiradas tinham as bagunças que desfoquei pras fotos ficarem lindas...
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